O Centro Africano para as Cidades da University of Cape Town recentemente realizou um workshop intitulado “Informal Settlements: Urban Develop Challenges”. Em março deste ano foram produzidos debates acadêmicos, visitas de campo, reuniões com funcionários e caminhadas por assentamentos informais.
E também foi possível entrar em contato com boa parte da realidade sul-africana para comprovar como a cidade se constitui num instrumento que colabora em acentuar as históricas assimetrias sócio-territoriais. Na África do Sul residem cerca de 45 milhões de habitantes, dos quais apenas um décimo é classificado como brancos.
Durante mais de 40 anos, o Apartheid constituiu uma política oficial de segregação, sinalizada por um processo sistemático de discriminação política, econômica e social que legitimou crimes, torturas, perseguições e explorações por parte de uma minoria branca em relação à maioria negra.
Este modelo opressivo disparou fortes movimentos de resistência que conduziram ao fim do Apartheid com as primeiras eleições livres e iniciaram um processo de democratização e igualdade de todos os cidadãos. Hoje, depois de quase duas décadas de vigência constitucional dos direitos políticos, o grande desafio que as cidades enfrentam é o da integração.
África do Sul conta com três cidades capitais: Pretoria, sede do poder executivo; Johanesburgo, sede do poder judicial; e Cidade do Cabo (Cape Town), sede do poder legislativo. Existem onze línguas oficiais e nessas onze línguas está escrita a Constituição Nacional. O país tem enormes riquezas e valores naturais, paisagísticos, culturais e territoriais.
O espaço público como remanescente
Em correlação com nosso modelo de sociedade, emergem diversos contrastes. Por um lado, é possível observar a imponente altura dos muros de alvenaria que cercam as diferentes casas dos magnatas do ouro e diamantes, que muitas vezes são arrematados com arames farpados e cercas elétricas.
Os bairros ricos, tal como Sandtom Village em Johanesburgo conotam um valor simbólico que acrescenta as assimetrias da população. Muros impenetráveis, barreiras visuais, guaritas de vigilância e um corpo de seguranças protegem as casa, tornam o espaço público um remanescente urbano reduzido à circulação veicular.
Emblemática resulta a intervenção no Victoria & Alfred Waterfront de Cidade do Cabo. Constitui o centro turístico mais importante, onde o antigo porto da cidade foi transformado numa área valorizada, com restaurantes étnicos, terraços, iates exuberantes, hotéis de luxo e grandes lojas que recuperam uma arquitetura industrial do século XIX de qualidade para introduzir funções recreativas, culturais e comerciais.
No outro extremo se situam os “townships”, assentamentos informais nas periferias metropolitanas, com altos níveis de precariedade. Os casos de Langa e de Eziko na Cidade do Cabo, por exemplo, são testemunhos do exposto, com processos organizados de ocupação de terras comunais e levantamento de habitações desprovidas de todos os serviços, sem a mínima infraestrutura.
Os principais desafios a enfrentar
Hoje em dia, as cidades enfrentam problemas tão extremos como complexos. A reaparição da miséria urbana assim como o aumento substancial da pobreza e sua segregação física tem alcançado níveis antes desconhecidos. Ao mesmo tempo, observa-se um forte processo de ‘bunker-zação’, com alta segurança e isolamento.
Este modelo busca preservar física e simbolicamente uns dos outros, gera grandes tensões e disputas que se expressam no território. Esta ruptura de padrões tendenciais de crescimento fomenta a assimetrias socioespaciais, protegendo uns e empobrecendo a extremos outros.
Fica evidente, deste modo, o fim de um paradigma: o da cidade solidária, compacta e integrada. A ausência de novas utopias inibe a reflexão coletiva necessária. Com a qual, cabe se perguntar se este é o modelo de cidade que a sociedade e seu conjunto aspiram.
Consequentemente, o principal desafio que assumem as cidades para a próxima década é duplo e implica, por um lado, a ruptura deste modelo de cidade dispersa e fragmentada, fechada e excludente, e por outro, a recuperação daqueles critérios que historicamente a consagraram como tal.
Texto original via Plataforma Urbana
Tradução: Gabriel Pedrotti. Equipe ArchDaily Brasil.